Fibromialgia: como os médicos fazem o diagnóstico da doença?

Uma dor crônica e difusa ataca músculos, articulações, ligamentos e tendões. A sensação é de peso, aperto, facada, fisgada ou queimação, e o paciente fica confuso porque nem consegue entender de onde exatamente o incômodo vem. Assim, é comum dizer que dói tudo. As suspeitas, então, começam a transitar entre doenças degenerativas, distúrbios glandulares, inflamações, problemas ósseos… São pelo menos sete anos de sofrimento até encontrar alívio, segundo pesquisas que estimaram o tempo entre os primeiros sintomas e o tratamento da fibromialgia, mal que acomete quase cinco milhões de brasileiros, a maioria mulheres – são oito para cada homem.

A última pesquisa, divulgada em novembro pela Sociedade Brasileira de Reumatologia, ouviu 500 pacientes atendidos em hospitais públicos e privados. A demora em procurar auxílio foi de cerca de dois anos e meio. “A paciente alega que é forte e só vai ao médico quando a dor fica intolerável”, diz o reumatologista Eduardo Paiva, chefe do Ambulatório de Fibromialgia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná. Aí tem início uma longa peregrinação que consome, em média, cinco anos. O Harris Interactive, instituto americano de pesquisa, entrevistou 904 pessoas no Brasil, no México e na Venezuela, sendo 300 pacientes e 604 clínicos gerais, reumatologistas, neurologistas e psiquiatras. A conclusão, publicada no ano passado, é que o fibromiálgico consulta, em média, sete especialistas até chegar ao tratamento correto. O atraso é atribuído à falta de informação dos pacientes (70% nunca ouviram falar da síndrome) e dos médicos (84% reconheceram que ainda não estão familiarizados com ela).

Um jogo de xadrez  
A fibromialgia foi descrita e nomeada só em 1990. O complicador para sua identificação é que os pacientes mantêm aparência saudável e os exames apresentam resultados normais. Isso porque não há um teste específico, um marcador no sangue ou na urina que aponte a presença dela. As pesquisas por meio de imagens (radiografias e até ressonância magnética) também não detectam alterações.

Elas só aparecem em tomografias por emissão de pósitrons, capazes de flagrar o cérebro funcionando em tempo real – aí as partes encarregadas de interpretar o estímulo doloroso revelam-se muito mais ativas que o habitual.

Mas esses exames não são rotineiros e só podem ser feitos em grandes centros de pesquisa. É comum então parecer que não há nada de errado. Assim, familiares, amigos e até médicos começam a achar que é “psicológico”, “um exagero”, “um pedido de atenção”. “Minha mãe me chamava de Maria das Dores desde que eu era criança. Uma hora era a coluna, depois a perna ou o pescoço”, conta a professora paulista Suely Colalto, 54 anos, casada, dois filhos. O motivo das queixas só foi descoberto décadas depois. “Tive fortes dores no peito e fui internada com suspeita de infarto. Passei dois dias sob investigação, mas não acharam nada. Até que um médico suspeitou de fibromialgia. Enfrentei mais dois anos de dores até acertar o tratamento”.

O diagnóstico é como um jogo de xadrez. Segundo Paiva, é preciso excluir doenças graves que provocam sintomas semelhantes, como hipotireoidismo, distúrbio em que a glândula tireoide opera em ritmo lento, e artrite reumatoide, em que o sistema imunológico ataca as articulações. Até a carência de vitamina D pode gerar um quadro similar. “O diagnóstico requer muita conversa e um bom exame físico, o que demanda tempo”, diz ele. “E os pacientes têm pressa.”

Dois medicamentos foram aprovados para controle da fibromialgia: o antidepressivo duloxetina e o neuromodulador pregabalina. Apesar de ambos atenuarem a sensação desconcertante da doença, o primeiro é mais indicado para quem tem depressão; e o segundo, formigamentos e queixas de sono não repousante. Conforme os sintomas, podem ser prescritos outros antidepressivos. Afinal, cada caso é único. Tanto que, para tratar problemas associados à doença, os médicos podem prescrever também relaxantes musculares (tizanidina) ou indutores de sono (zolpidem), analgésicos comuns (paracetamol) e opiáceos (tramadol). “Mas todos os medicamentos provocam efeitos colaterais, em maior ou menor grau, e só devem ser usados com rigoroso acompanhamento médico”, diz Evelin. Um erro comum do paciente é tomar anti-inflamatórios, como os corticosteroides, que são desaconselhados. De qualquer modo, tomar remédios não basta. É necessário mudar o estilo de vida. Parar de fumar, por exemplo. O cigarro, já comprovou uma pesquisa da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, piora os sintomas.

Atividade física: uma aliada importante  
A atividade física é vista como aliada. Em estudo da Universidade Georgetown, em Washington, seis semanas de exercícios aeróbicos melhoraram a dor e a memória de mulheres com o mal.

Praticar, porém, requer ajuste fino. “Se passar da conta, pode induzir a mais dor e, se for de menos, não adianta”, avisa Paiva. Os exercícios mais indicados são os aeróbicos moderados, como natação e caminhada. Já os de alongamento (hidroginástica, ioga, pilates) aliviam a tensão do corpo, que agrava a dor. E os de fortalecimento muscular são benéficos somente para alguns pacientes.

O programa ideal, portanto, é individualizado e acompanhado por fisioterapeuta ou professor de educação física que conheça a doença. Como o stress é notório desencadeador de crises, técnicas para reduzi-lo, como relaxamento e todo tipo de suporte psicológico, são bem-vindas.

A terapia cognitiva comportamental (TCC) se destaca por redirecionar o foco dos pensamentos. “Em geral, o paciente é perfeccionista e tende a olhar as coisas pelo lado negativo”, diz Paiva. “A terapia ajuda a ver o mundo de outro modo, a se poupar diante de situações que deflagram a dor e a criar estratégias para lidar melhor com ela.”

Pelo consenso de 2010, a fibromialgia não justifica o afastamento do emprego. Mas não é o que pensam os pacientes. No estudo do Harris Interactive, 73% responderam que a qualidade do trabalho foi deteriorada pela síndrome, com prejuízos para a carreira e a renda familiar.

A funcionária pública Sandra Santos, 50 anos, é fundadora da Abrafibro, associação que reúne 1360 pessoas com esse problema nas redes sociais. Ela tem fibromialgia associada a hérnia de disco. Dores lancinantes na coluna, pernas, braços e cabeça a obrigaram a se licenciar. Só voltou por imposição do INSS, mas vivia na enfermaria. Teve de entrar na Justiça para renovar a licença. Sua ONG luta para que a doença seja considerada incapacitante. “Há níveis diferentes de dor e sintomas, e alguns pacientes não saem da cama”, justifica.

Fonte: Cristina Nabuco – Revista Cláudia


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